Mais uma Segunda-Feira.
Mais ou menos no mesmo horário passo em frente àquele
café de esquina.
Mais uma vez te vejo sentado na mesma mesa.
Mais um café, ao que parece do mesmo café, você
toma. Seus cabelos encaracolados ocupam o mesmo lugar de sempre. Cadeira que dá
vista pra rua. Em que será que você repara quando seus olhos atrás das lentes se
cansam da luz do computador? O que será que você pensa quando para de ler esse
trabalho aí? Que tipo de coisa desprende a atenção de seus dedos, digitadores
frenéticos? Será que você já percebeu que toda Segunda-Feira no meio da tarde
eu passo em frente ao seu lugar reservado? Eu percebi que não tem sido
coincidência te ver sempre no mesmo café, na mesma cadeira, no mesmo dia da
semana, na mesma hora.
Ops, alguma coisa de você eu descobri. Alguma coisa
além dos cachinhos simpáticos do seu cabelo, alguma coisa além de “antes você
não usava óculos”, alguma coisa além do oi inesperado nos corredores de toda
semana. E você? Será que você já percebeu que toda Segunda-Feira no meio da tarde
eu passo em frente ao seu lugar reservado? O que será que você descobriu de
mim? Reparou que cortei os cabelos? Reparou que antes de ter mais uma vez a
nuca de fora meus fios ficaram longos e até coloridos? Viu que sumi por uns
meses?
Como será que é a sua Segunda-Feira? Onde será que
você estava antes do café? Pra onde você vai depois? Sempre te vejo com a mesma
xícara. Passo rápido, eu sei, mas é sempre a mesma xícara porque é sempre do
mesmo tamanho. Você só bebe, não come? Bebe a mesma bebida? A bebida de sempre?
Qualquer dia diminuo os passos e como uma torta alemã, você vai ver.
Viu? Entrei no café. Eu vi que você viu. Vi que
mexeu nos cachinhos, como se tivessem caído em seus olhos, só pra vira a cabeça
pro meu lado. O horário me ajuda a escolher uma mesa estrategicamente
posicionada para que eu te veja por cima do conto que estou lendo. Estou realmente
interessada na leitura e minha timidez deve ter te confundido. Afinal, entrei
nos seus olhos quando cheguei (tanto que senti uma coisa quente em mim,
confesso) e agora fico com cara escondida atrás dessas páginas. Nada que o café
com leite não possa me ajudar. Você viu que eu nem tô mais com a cara escondida
atrás das palavras tagarelas que leio? Viu? Notou que mudei de posição quando
uma moça sentou no meio da gente? Percebeu que pedi o tamanho grande, e não o médio,
só pra demorar mais em ficar aqui nesse café de esquina, brincando de olhar meu
olhar no seu?
O homem do conto está trepando com a mulher do
conto. Foi logo depois do primeiro beijo, um beijo meio sem jeito com carinho nas
orelhas. Será que o homem do conto tem cachinhos que nem você? Será que a
mulher do conto é romântica como eu? Como será que é o seu corpo? A textura, a
temperatura. O toque. E a voz? Oras, foi um oi muito rápido e há muito tempo. Sabia
que me lembro do seu risinho em canto de boca naquele dia? Sabia que fiquei
morrendo de vergonha e nem sei se minha voz soltou o oi pra te responder?
Como será que é tirar sua roupa? Que gosto tem sua
língua? Que cor tem sua pele quando fica arrepiada? Será que suas mãos são
quentes? Que cheiro você tem? Será que seus lábios são bons de morder? É que
eles parecem bons de morder. Mostra mais seu sorriso, ele é tão bonito.
Ela chegou e te deu um beijo. Será que alguém reparou
na minha cara de decepção? Será que você notou eu tentando disfarçar?
Vocês pagam a conta depois que ela come. Ela eu sei
que come.
Nem quero mais saber aonde você vai depois do café.
Mas hoje eu não comi torta alemã.