sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Pó de maquiagem preta

Quando ela chegou do trabalho era começo de noite. Abriu a porta de casa e abandonou a bolsa no chão, embaixo do cabideiro que guardava dois casacos do frio que fez semana passada. A caminho do banheiro deixou sapatos, meias e o que conseguiu tirar de roupa. Se preocupou em aquecer a água da banheira lentamente, para que a sentisse morna-fria e não fria-morna. É que o tempo estava abafado. E assim se expressava porque hoje muitas pessoas sentiram as horas paradas.

Enquanto a banheira tinha todo o seu espaço vazio sendo preenchido por líquido refrescante transparente, ela, na cozinha, desprendia a rolha que não queria se separar da garrafa. Encheu uma taça e no meio do caminho, como já havia engolido largos goles do vinho, voltou para pegar o vidro. Silenciou a torneira, libertou os cabelos que estavam lutando contra a gravidade, esvaziou a taça, colocou uma perna, e depois a outra na banheira. Agachou-se quase como numa queda, mas sem permitir que seu corpo caísse, seu corpo pousou na água, deitou-se com alívio.

Ela se libertou do suor e o calor do tempo abafado evaporou de sua pele. Preencheu a taça vazia e no mesmo momento em que a uva fermentava docemente em sua boca, apesar do vinho seco, toda a película de sua carne esfriou a deixando refrescante.

Tanto conseguiu relaxar que adormeceu e a taça flutuou na água derramando o vinho que restava ali dentro. Leve como ela. Leve como ela não estava há tempos. Ali ela flutuava num sonho onde voava por cima de árvores frescas com folhas que faziam cócegas nos seus pés. Mas a água ficou transparente por pouco tempo. O vinho caiu como uma mancha de dor concentrada. Assim que pousou na água, a fruta roxa escolhida embebida em álcool fez um caminho escuro e pesado até finalmente ser pequena em meio à banheira. Ao se despertar ela entendeu que deveria dissolver sua angústia em alguma coisa grande. Muito grande teria que ser. Porque tem muito sangue no corpo e não basta uma banheira. Muito grande teria que ser. Porque tem muito sofrimento no ser dela e não basta uma vida inteira.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Bisturi

Ela enterrou as unhas grandes e afiadas no seu peito quando o desespero da dor já era insuportável. Batendo, arranhando, riscando até que a pele rasgasse. Rasgou e doeu e ela chorava. Ela aberta com carne sua embaixo das unhas. Mas ela já chorava antes. Continuou a enfiar as mãos em si mesma, continuava a se perfurar enquanto gritava sem som. Ao atravessar a camada de gordura que não aquecia seu coração há muito tempo procurou e... procurou e... Nada. Não encontrou o que queria. Ela aberta vermelha. Seu coração palpitava com força enquanto uma lágrima escorria dele. Mas onde está, ela pensou? Ela aberta com dúvida nos olhos. Onde está esse sentimento de te amar que ainda não saiu de mim? Ela aberta tentando tirar isso. Com sangue nas mãos e o coração ainda mais exposto ao mundo, ela bateu na porta dele. Ela aberta derramando sangue na rua. Morre, ela disse sem som. Morre de dentro de mim, ela disse sem som.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Corredor Correria

- Feliz ano novo pra você. 
- Pra você também. 
Sorrisos nos rostos. 
Sigo pelo corredor do 13º andar e encontro na sinceridade da minha pequena caminhada sozinha até a porta do elevador um rapaz sentado nas escadas que só uso quando chorei muito. Ele me olha não porque me olha e sim porque sou uma movimentação de blusa vermelha naquele espaço monótono e longo de portas fechadas afiadas. Ele me olha por poucos segundos e me sinto invadida. Espero o pim do elevador que veio dos dois lados enquanto mexo no meu guarda-chuva que não usarei hoje. Um me levaria para cima, outro para baixo. Penso se subo para depois como peso cainte até o chão espatifar-me. Preferi a segurança do constrangimento-elevador lotado e pisei com os pés, não com a cara, no petit-pavet-tinha-no-meu-caminho-hoje. Aí percebi que as escadas seriam mais interessantes. 

No elevador sou obrigada a estar com pessoas na rua sou obrigada a estar com pessoas e nela eu posso desviar, nele eu olho para o chão para não verem o rachado vermelho dos meus olhos os cílios ainda molhados de líquido transparente levemente salgado. Saio respirando profundo pra tirar dos pulmões o pensamento do conteúdo da sala do 13º andar. Respiro profundo. Respiro profundo. Respiro promundo. Respiro a. Respiro aaa. Respiro aa-a-a fuuuuu a-a-a-a-AA atchim! Perfume doce da mulher com calça verde florida de roxo na minha frente. Perfume doce da mulher com calça verde florida de roxo na minha frente invade como agulha as minhas narinas a esquerda coça mais que a direita e eu espirro três vezes em seguida. Pausa. Mais três vezes em seguida. Pausa. Até paro de caminhar. Sacudo as mãos a espera de um ou três ou quatro espirros mas eles falham e. E eu continuo parada no meio da calçada pra reparar naquela mesa pequena amarela que ficaria tão legal na futura sala que terei. Não é uma sala como a sala do 13º andar, mas ainda assim é uma sala. 

Tenho sede de fruta no calor que derrete uma gota no meu pescoço. Tenho vontade de você no tesão que invade minha calcinha enquanto durmo. A promoção mais barata que antecipa o Natal ecoa nos meus ouvidos eu tento me lembrar de uma canção, mas com tantas mensagens publicitárias musicadas e elaboradas com um refrão grudento e de curta duração, a fim de serem impregnadas nas nossas sinapses com facilidade o ritmo-melodia do meu cantor quase favorito foge de mim. Assim como às vezes eu fujo da sala do 13º andar mesmo estando lá dentro. É difícil correr dos meus pensamentos. Mas até o corredor correria se escutasse tudo o que digo na sala que não é a futura sala da minha casa.