E sete oitoooooooodespertador
toca em intervalos minúsculos de agudo fino. E sete oitoooooooodespertador toca
em intervalos minúsculos de agudo fino bem onde se aloja a glândula tireoide. E
toca. E pulsa. E pulsa em intervalos miúdos de agudo fino em cima do meu
coração ofegante e quente. Faz tempo a última vez que pratiquei corrida que
está minha rotina. Quando finalmente chego em casa saltito entre as roupas e
calçados espalhados pelo chão. Dou mini-pulos como que fugindo dos pregos que
me atravessam de baixo pra cima. Dou mini-pulos como que fugindo desses pregos
até encontrar minha cama. Ali, naquele canto escuro onde a luz do sol não bate
o mofo aparece. E sete oitoooooooodesespero quase me alcança quando tento
trabalhar num movimento interessante para a minha cena e os bichinhos das
árvores não deixam. Eles também querem participar. Mas eu fujo deles. Agora com
grandes saltos como se evitando a fenda profunda recheada de água da montanha
mais alta. Olho para o teto. Olho para o teto com infiltração. Não como que me
infiltrando nele, mas como a infiltração saindo dele. E penso que tô tentando
tirar algumas infiltrações de mim. A dor do siso. O amor que já morreu pra ele. A preocupação
que tenho com todos eles. A espinha inflamada. Preciso ir ao banheiro, mas
cansada dos mini-pulos para fugir dos pregos que me atravessam de baixo pra
cima vou pelas paredes mesmo. Me agarro a elas e elas me sugam. Me engolem por
todo o quarto e me cospem só na porta. A água boa do chuveiro cai com força
massageadora nos meus cabelos que lentamente a sentem e aí sim ela chega ao
coro cabeludo que se arrepia até os pelos dos braços com a visita esperada. E sinto
as costas todas molhadas. As pernas ainda não porque o tamanho da minha bunda
desvia um pouco a rota do chuveiro. Meus pés deixam de ficar secos dos
calcanhares em direção à curva que faz, em direção aos dedos. Quando termino o
banho me seco razoavelmente, visto uma camisola sem calcinha que quase umedece,
esqueço de escovar os dentes e me conforto com o cobertor macio. Sete oitoooooooo
nove dez onze carneiri...
Perceber o cotidiano, reparar no comum, olhar pro banal, ver o aparente invisível e aparecerem neles as novidades esquecidas. É assim que escrevo.
quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013
Panul
Tenho duas taças de vinho vazias. Em uma delas escorre levemente até o fundo do vidro alto o óleo roxo que escapou da minha boca. Minha boca que com a língua tocando todo o céu de dentro de mim engoliu a uva derretida. Minha boca agora vazia sem a cor escura e docemente seca. Minha boca agora vazia sem outra língua pra ocupar o espaço que me sobra. Me sobra conforto no colchão. Me sobra um lugar ao meu lado no teatro. Me sobra o vácuo na boceta. Me sobra escolher qual o disco que vai tocar agora. E o próximo. E o de depois. Me sobra uma garrafa incompleta de vinho. Minha sobra de espaço no horizonte sem fim. Tenho duas taças de vinho vazias. Tenho duas taças de vinho vazias que desfrutei só. A de ontem estava suja porque logo dormi embebedada pelo som da vitrola e pelo cansaço das horas. A de ontem estava suja, então fui diretamente ao armário buscar a outra. A de ontem e a de hoje. Ambas sentiram o mesmo peso dos meus lábios. Ambas confidenciaram a minha mesma busca perdida. As duas descobriram pela textura da minha saliva a dúvida que repito há tanto tempo. Essas duas mesmas taças quiseram me acariciar ao perceberem o toque grosso dos meus dedos. Elas refletiram meus olhos pouco esverdeados, é verdade, perdidos firmemente num pensamento preciso, pontual e sem rumo. Ao encostá-las em meio peito enquanto relaxava elas descobriram que meu coração já não pulsava mais. Não pulsa pra pedir ajudar. Eu não pulso pra pedir ajuda. O formigamento da minha boca mostrava a constante inconstância do que toca aqui dentro. O formigamento da minha boca tremeu tanto que trincou as taças. As duas. Ambas. Essas duas mesmas taças de seguidas noites no meu quarto. Com elas trincadas, desfaleci sozinha em cima do meu travesseiro. E durante a noite minhas unhas, minha pele e meu cabelo. Trincaram também. Timtim.
domingo, 3 de fevereiro de 2013
Ensaio 2
O sotaque do meu corpo. As flores que murcharam todas. Os ares comprimidos no meu coração. A serra. A britadeira. O martelo. O ruído agudo, ora soco, do prédio parindo. Os ares comprimidos comprimindo minha respiração que sai aos poucos socos bem diferente do soco da construção do soco que levei na boca do estômago sem querer quando eu estava na quinta série. A quinta vez que a serra espirra fiapos nos meus olhos. A britadeira caminha na minha frente destruindo meu chão. Em obrigando a pisar nos escombros de mim mesma. Despedaçado logo ali.
Paro tudo isso. Esqueço o barulho do motor do caminhão e sentada no banco da calçada olho para cima. Olho de cinema. Trocaram as janelas deste prédio e lá na ponta entre a árvore e o concreto vejo as nuvens brincando de corrida. Corro de mim.
sábado, 2 de fevereiro de 2013
Abelha
O segurança do Paço ouviu um pedaço da nossa história sem querer. Ele quase acreditou que aquela conversa foi simpática e não estranha ou sem jeito. Depois do oi rápido passado reto não fosse
- Bonito seu óculos.
- Ah, obrigada. Você agora também tá usando.
- Então.
- Mas eu uso só de vez em quando.
- Então tá bom.
-Tchau.
- Ah, obrigada. Você agora também tá usando.
- Então.
- Mas eu uso só de vez em quando.
- Então tá bom.
-Tchau.
O seu sorriso simpático social. Sua incrível amabilidade depois de um show em que você fugiu do meu lado. Seu mel vem com ferrão. Sua incrível felicidade depois de um show em que a cabeça do cara da minha frente serviu de escudo pra eu não te ver. Logo ali, no outro lado, na frente do piano. Minhas dúvidas que parecem infinitas e minhas perguntas que nunca poderei satisfazer depois de um show em que nos escondemos pela cabeça de alguém. Minha garganta arranhando, tossindo porque sempre ficam coisas caladas. O envelope no meu peito carregando no pingente uma carta que quer falar. Mas não pra você. Não depois de um show que se estivéssemos juntos poderíamos sair dali e nos casar no próximo domingo na praia, no sol, no mar, ou num navio a navegar, num avião a decolar, indo sem data pra voltar.
Eu voltei. Pra minha casa, minha taça de vinho. E pra escrever esse texto. Você eu não sei. Só sei que não pensou em mim.
Eu voltei. Pra minha casa, minha taça de vinho. E pra escrever esse texto. Você eu não sei. Só sei que não pensou em mim.
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