quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Romã

Vestindo um pano azul e um chinelo sem cor, caminhei pelas ruas depois do almoço que não almocei. Dormiam as flores a sesta. Dormiam as folhas também. Algumas, de tão sonolentas, caíram das árvores e bordaram o asfalto, a calçada. Uma pétala colorida caiu no meu cabelo. Agora tenho fios cor-de-rosa. E tem um fio que me parte ao meio. Tem esse frio nos meus seios. Tenho filhos que não nasceram.

Espero pelo ônibus que não vou subir. O banquinho do ponto é velho. Tomo cuidado com as ferpas que querem escapar. Reparo que o portão da casa da frente está mais branco. Isso indica que, apesar das cortinas sempre fechadas, tem gente morando ali. Tem uma cadeira na varanda e um tapete feito à mão. Tem uma árvore na frente e deve ter chá no meio da tarde. Vai ter esse cheiro de pão quando o sol for descansar. Eu tenho as unhas com vermelho pela metade e tenho essa dor, essa incerteza. Carrego esse medo, a minha angústia. Meus olhos murcharam e dormi de bruços ali mesmo. Esqueci das ferpas que queriam fugir.

Acordei com todas elas no meu peito.

Vestindo um pano azul com bolinhas vermelhas me sentei no banco velho. Eu tirava as ferpas e ia sangrando, sangrei tanto que agora minhas unhas encontram nenhuma falha no esmalte. Fui derramando até o outro lado da rua. Me convidei pra entrar. Sujei o piso branco da casa de portão mais branco. Manchei o estofado da cadeira. Melei a faca com o meu sangue. Pareceu que comíamos pão de beterraba. A mesa do café da tarde não tinha café, mas comi biscoito de nata e bebi chá de hibisco. Subi na mesa e dormi novamente. Deixei a cozinha vermelha e fui caminhando por onde nunca tinha ido, mas por onde sei que vais, pra onde nunca cheguei e nem sei se vou chegar. Caminho por um convite confuso e nebuloso, mas que aceitei.