segunda-feira, 22 de julho de 2013

Artura

Artura nunca teve um mal-estar físico de dor tão aguda assim. Mas na última semana seu estômago estava de ponta-cabeça. Que borboletas, que nada. Nem libélulas, nem beija-flor. Está mais para arara, pica-pau, pombo sujo da Praça Santos Andrade, mosca morta, vespa verde. A comida entrava e ali parece que ficava por horas. Alimento preso no estômago torto, no estômago sujo. A água ebulia lá dentro.


Parou de comer. 

Artura no plantão do hospital com soro tomando. Já não bastasse o estômago estranho e vieram as picadas nas veias que sumiram. Derreteram ao perceberem a aproximação da agulha que fincou várias vezes como alfinete fino que escapa e se aloja entre a unha e a carne.

Ela disse que doeu.

Marcaram a radiografia para o dia seguinte. E seu estômago pesava cada vez mais. E mais. Pesou tanto que no curto caminho entre a cama e o banheiro gelado precisou ir sentada. Arrastando a bunda no chão. Limpando o piso poluído da enfermaria. Quando se deitou novamente a cama caiu, tamanho o peso de seu órgão. Dormiu ali mesmo porque não quiseram arriscar outra cama estragar. Pouco tempo durou seu sono cansado. Artura foi despertada por uma forte ânsia que escapou.

Vomitou. Vomitou. Vomitou.

Mas que estranho! Que caso interessantíssimo! É uma incógnita! Quanto mais vomitava, menos ela pesava. Quanto mais de si saía, menos em si de alivio ela cabia. Da boca do estômago de Artura não saiu comida, não saiu suco gástrico. Saíram letras. Sim, letras engolidas de palavras e frases não ditas. Letras tortas, letras bravas, cansadas, exaustas, raivosas, explosivas, chorosas. Leras pretas, vermelhas, roxas. De confusas no chão elas se erguiam decididas no ar. Leu-se dor, leu-se tristeza, insegurança. Palavras soltas e frases inteiras. Até um poeminha assim:

A lágrima que engoli
virou pedra no meu estômago
Aquilo que esqueci
tornou-se ácido no meu estômago
O beijo que não dei
apodreceu no meu estômago
O dia em que falhei
transformou-se em noite no meu estômago

O poeminha, as frases e as palavras depois de escritas no ar gargalharam bem alto assim: rá-rá-rá, rá-rá-rá! Ah, Artura, você atura muita coisa!






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