sábado, 7 de março de 2015

Convite

Estávamos em um hotel. O lugar era grande e diferente do que estamos habituados. Hospedados em outro quarto, apesar de estarmos no nosso bairro. Nós saímos e bebemos um pouco.

Tá vendo aquela casa? É de um arquiteto aqui da cidade. É uma casa dos anos cinquenta que foi inteira restaurada, tem um ateliê incrível lá dentro. É que o marido do arquiteto é escultor. Não, nunca entrei lá. Um menino que trabalha comigo, é, menino, ele sempre conta isso quando passamos por aqui e aí tô te contado agora.

O dia já dormia há horas.

Essa rua é tão bonita. Eu gosto quando as árvores se encontram no topo, no meio, ali no alto. É que essas árvores são casais apaixonados, mas há muito tempo alguém as separou com esse asfalto no meio. Aí com saudade umas das outras elas foram crescendo pra ficar pertinho assim. O que, essa história? Ah, é minha mesmo. Inventei esses dias, mas é tudo verdade.

Tinha um karaokê no caminho pro hotel e a gente resolve entrar. Cantamos clássicos da nossa adolescência e uma música de amor. A gente ainda não sabe se é amor. Eu acho que é cuidado. O gelo seco deixa o ambiente ainda mais escuro. Um escuro bom, escuro sedutor. Escuro branco e te perdi na fumaça. Ali está você. Sorrindo com os olhos fechados aspirando profundamente.

Na volta, você apertou o último andar, mas estávamos no terceiro. Você ria como quando um bebê descobre os sons que a boca pode fazer. Ríamos juntos.

meus olhos fechados
estou aberta
encosta tua boca aqui devagar. Gosto quando tua franja escorrega no meu seio quando você me lambe uma orelha e só o lado esquerdo do meu corpo arrepia gosto quando cafuné.
minha pele excitada
sua língua atuante
fios dos cabelos entre os dedos
respira assim na minha nuca. Gosto quando tua mão me surpreende quando teu corpo quente assusta o meu mais frio gosto quando carinho.

Deixamos a janela aberta. Você me confessa sua primeira paixão: a trapezista do circo. Eu morava no sítio e em outubro dos meus seis anos de idade o circo visitou a cidadezinha próxima. Meus pais me levaram, eu e minha irmã. Fiquei encantado. Ela foi anunciada como o principal show da noite. Ou eu que achei o show dela o mais belo. Ela entrou sem que ninguém pudesse ver porque soltaram muito gelo seco no ar. O cheiro do gelo seco. Eu me lembro do cheiro do gelo seco. O branco foi sumindo e ela aparecendo. Apareceu bonita com um maiô cor-de-rosa cheio de glitter. Subiu com elegância até o teto de lona e se soltou com maestria. Levei as mãos à boca num suspiro de medo. Pensei que ela, tão linda, fosse cair. Aquele dia aprendi que a gente pode voar.

Dormimos entre os lençóis e a lua. Acordo com a brisa da manhã que voa a cortina até que ela encosta em meus pés. A cama fica perto da janela e sinto o frio calmo da primavera. O vestido está longe e não encontro minha calcinha. Me aqueço com sua camiseta e me aconchego na sua silhueta.

Eu viveria uma sucessão de domingos aqui. Quando os domingos vêm acompanhados, eles são bons. São domingos dourados.
me aperta assim devagar. Gosto quando me aperta assim devagar. Gosto quando fica.

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