sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Fermento

Quarta-feira. Noite. Céu cinza claro enganando os despercebidos que não se atentaram para a hora que já era tarde. Noite. Céu cinza claro. Os dois sentados na mesa da cozinha de azulejos-losangos-azuis-pequenos. Cerveja pra acompanhar a conversa. 

- Faz tempo que eu não bebo 

- Não acredito. 

Ele esvazia o copo. 

- Faz tempo que eu não bebo com alguém. 

- Ah, sim. Faz tempo também que eu não bebo acompanhada. Só com minhas amigas mesmo. 

Ele diz que tem bebido bastante em casa. Finge que acredita que o álcool ajuda em alguma coisa. Ela sabe que ele finge. Ela divaga que no começo sim, a solidão é mais rasa quando bebemos. Mas e quem bebe sozinho? ele pergunta como que procurando uma explicação feminina pro seu repetido ritual diário. Pega de surpresa, ela pensa e 

- O que você quer ver no fundo do copo? 

- É uma boa pergunta. Difícil responder. Na verdade ele não quis arriscar dizer. Não quis responder pra si mesmo o que ousava saber. 

- E você? O que vê no fundo do copo? 

Ela se estatua por um tempo. Parada, reflete. 



- Não. Não vejo nada. Porque ainda tá transbordando. E vaza em todo chão que caminho. 

E então ele entendeu porque os pés dela estavam sempre molhados, o corredor do apartamento úmido e a cozinha quase inundada. Preferia morar em bairros vazios porque os vizinhos não suportavam a água vazada para a casa deles. Uma vida ensopada de derramamentos do âmago. 

Ela disse quando ele reparava nos seus pés enrugados meu coração também está. 

Ele a olhou assustado. Olhou nos olhos fortes que se misturavam com a expressão triste que ela não se preocupou em esconder. Ela lhe mostrou uma radiografia de seu coração. Estava murcho. Ele pensou estar falando com uma alguém enterrado. Ela, então, colocou a mão de dedos finos e longos no seu peito. Nunca um coração bateu tão forte, pensaram juntos. E silenciaram. Olharam-se. Sorriram. 

Era madrugada e cada um foi dormir com sua dor. O som de passos se esfregando em poças d’água o acompanhou até a porta. Ela repousou em seu rio. Ele continuou cavando.

Um comentário:

  1. Oi, oi.

    Obrigada pelo seu comentário. Respondi lá, bem feliz. :)
    Vou seguir o seu, gostei das histórias.

    Um abraço!

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