sábado, 11 de janeiro de 2014

Quase nua

Foto: Álvaro Sánchez-Montañés

Foto: Álvaro Sánchez-Montañés



Admiro e confesso que tenho um pouco de inveja das pessoas que conseguem falar de si sem preocupações. Acho que a inveja tem em si, mesmo que a gente não queira e geralmente a gente não quer, um pouco de admiração. Afinal, só se inveja algo que se deseja: seja a beleza natural da vizinha que, claro, tem a grama mais verde, seja o charme daquele cara esquisito, a inteligência daquela puta jornalista ou até mesmo as saias da mesma jornalista. E, viu só? Estou refletindo sobre a admiração contida na inveja e não estou falando de mim. Talvez não diretamente.

Quando deixei a auto cobrança, a vergonha, a insegurança e, óbvio, o medo de lado e resolvi criar esse blog pra postar meus contos, mini-contos, cenas que vi-vi, enfim, meus dilúvios literários, coloquei o seguinte texto na descrição: “Eu tô ligada no que está desligado. Me agradam os detalhes. Me apetecem as atitudes singelas. Eu falo muito pouco de mim, porém me exponho: delicadamente na vida, escancaradamente na escrita. Mas não confie em todas”. Posso dizer que quase dois anos (!) depois de formular essas frases ainda sei pouco de mim, muito mais que um dia soube, mas pouco. E nesse momento sempre fico com a dúvida: será que sei tão pouco mesmo sobre mim mesma ou será que é receio em aceitar que eu sou assim, assim, assim?, (como diria a Tulipa). Será que é a auto cobrança e a insegurança outra vez e mais que isso, eu mesma me negligenciando e diminuindo? De novo. De novo?

- E se você pudesse desejar alguma coisa agora? O que seria? Ele me perguntou.
- Eu desejo saber mais sobre mim mesma, me conhecer melhor.
- Sério? Nossa!
- É, por que?
- Porque geralmente as pessoas tendem a achar que se conhecem muito bem.

Há alguns bons anos eu faço terapia ou análise. Aliás, essas terminologias podem causar brigas entre psicólogos. Alguns psicanalistas, e vejam estou dizendo alguns, tendem a achar que terapia é uma coisa fofa com a única serventia de consolar, e que a análise, oh, essa sim, é algo mais profundo em que você pode realmente oferecer ao sujeito possibilidades de raciocinar e entender sua existência. Sabe aquele papo da contaminação dos termos? Pois bem! Tá contaminado, tá tudo contaminado! A minha opção teórica dentro da Psicologia não se utiliza do termo “análise”, geralmente usa-se “terapia” e me irritam os olhos tortos que acham que só a Psicanálise é que se propõe realmente a analisar as escolhas e a subjetividade das pessoas. Existem posturas diferentes porque são profissionais e pessoas diferentes. Obviamente as linhas teóricas influenciam no olhar que se tem para a pessoa sentada (deitada, agitada) à sua frente e ainda bem que influenciam! Mas o fato é que para que a Psicologia possa acontecer enquanto um sincero trabalho há variados fatores importantes de influência, para citar alguns: vínculo, aceitação, empatia (e não simpatia). Os termos teóricos, então, são apenas termos teóricos quando o verdadeiro fazer da Psicologia acontece. E quando isso acontece, ah meus caros, é lindo! E sofrido. Mas é bonito!

Mas então, há uns anos eu faço terapia/análise e nesse espaço que, supostamente, é pra ser apenas meu eu demorei muito pra falar de mim. Muito. E aquele papo de me expor escancaradamente na escrita não é de todo verdade. Inclusive essa afirmação já me ressuscitou alguns ex-amores com a estima alta demais e uns enganos e uma desilusão que não quis causar. Acontece que eu me aproveito, desculpa, de momentos e olhares pra ter o que acho serem umas boas ideias. Tenho contos que começaram a ser escritos numa paixão de verão, mas que só foram encerrados no amor do inverno seguinte. E os amores? Ah, os amores difíceis!

E sabe o que mais é difícil? Minha indecisão e minhas trinta e sete vontades ao mesmo tempo. Há quem diga ser coisa de libriano. É um exercício mental extenuante decidir entre o bombom de maracujá ou de beijinho, entre tomar cerveja de trigo ou avelã. Ah, ok, eu também gosto de dar ênfase no que falo até porque a última dúvida não é tão sofrida e afinal, eu sempre acabo tomando das duas cervejas. Minha ênfase e meu excesso de expressão já assustou algumas pessoas e acabou com relacionamentos. É preciso me conter. E a indecisão, no caso da cerveja, se apresenta apenas em escolher qual será o primeiro sabor e qual vai morrer na boca.

Outra coisa difícil relacionada às minhas vontades e indecisões é o desejo de morar sozinha. Além de me desesperar sem saber quem-vai-matar-a-barata-parada-no-corredor-e-agora-pra-fazer-xixi? eu não sei se suportaria ficar tanto tempo sozinha. Eu morei sozinha por seis meses e foram os piores seis meses de moradia da minha vida. Eu passava os fins de semana sentada numa poltrona grande e nada fazia. O outro me movimenta. Você deve estar se perguntando se... relaxa, eu mato sua curiosidade. Sim, eu já fiquei fins de semanas inteiros sem tomar banho ou escovar os dentes. Apesar de hoje lidar de maneira diferente com a solidão ainda sinto receio em tomar essa decisão. Eu gosto de ter com quem conversar quando chego em casa. Eu gosto de, as vezes, ter gente fazendo barulho na casa. Mas também não gosto de todos os tipos de barulho. Tenha uma conversa interessante e não, por favor, não fale alto. E tenha agradáveis preferências musicais, isso é importante.

Uma coisa eu aprecio muito em estar sozinha: cinema. E veja, não é ir ao cinema ou sair do cinema sozinha, mas assistir um filme sozinha no cinema. De preferência com o cinema vazio sem barulho de pipoca mastigada e latas de refrigerante sendo abertas. Comentários durante o filme só os essenciais e que compõe. A apreciação em ver um filme sozinha no cinema quase se estende para a minha casa ou casa de amigos. Se o filme for bom e rico em detalhes ou se a sonoplastia parecer ausente nos momentos bem pensados de silêncio não fale, não fale não fale não fale. Confesso, quando o filme me toca muito é difícil eu me conter. Não em palavras, mas em respirações e sons estranhos que saem da minha boca em harmonia com a sessão de gestos expressivos que me seguro pra não fazer quando estou acompanhada.

Mas então, eu admiro e confesso que tenho um pouco de inveja das pessoas que conseguem falar de si sem preocupações. Entende porque eu pedi aquele dia pra você começar pelas perguntas concretas? Eu também as acho sem-graça. Sem tempero, sem tropeço, sem tesão. Sem aventura, sem textura, sem emoção. Sem desafio, sem desvio, sem extravio. Sem simpatia, sem alergia, sem agonia. Sem sinceridade, sem instabilidade, sem ambuiguidade. Sem sedução, sem complicação, sem elucubração. Sem dúvida, sem amor, sem rubor.

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