domingo, 15 de abril de 2012

Último capítulo


Quando você chega de repente no meu quarto porque já tem as chaves da minha casa eu pouso o livro aberto na minha coxa esquerda pra não desmarcar o conto. Pernas levemente abertas pra não amassar as páginas ou não deixar o livro cair. E de alguma forma isso te excita. A mochila cai rápida no chão como se a gravidade para ela fosse maior. Você para e fica me olhando. Pergunto que foi e você diz nada continue o que estava fazendo. Então sorrio desconfiada e te olho de lado enquanto pego o livro de mim mesma. A leitura estava boa e eu prossigo. Até esqueço que você continua aí me olhando com sorriso apaixonado e olhar de tesão. 
"sempre carregava no bolso. Gasto pelo tempo, mas muito mais pelo uso frequente e viciado. Ela o abre e os traços propositalmente borrados, mas artisticamente feitos, denunciam um garoto que vive e sente o tempo todo. O furor em registrar o que pensava ou o que via era tanto que mesmo com páginas grossas havia tinta vazada na folha seguinte, na folha anterior. Tantas fotografias da dor de viver belamente feitas com tinta preta. Em meio a corpos derretidos e comprometidos, olhos ocos, rostos repulsivos, mãos mortas, cicatrizes cortadas e vontades anuladas, ela encontra um retrato seu. Um retrato seu feito por ele. Teria ele esquecido esse caderno velho de propósito? Justamente pra que eu me veja desenhada tão bonita, tão sorridente e tão sinceramente? E ao folhear essas páginas eu descubro tantas outras ilustrações de mim. Eu deitada com a barriga no colchão e as pernas no ar, eu sentada na cadeira com os pés descalços, eu enrolada na toalha, eu nua passando creme no meu corpo, eu dormindo. Teria ele esquecido esse trapo nojento cheio de rabiscos toscos de propósito? Propositalmente pra que eu veja que, apesar de não conseguir estar comigo agora, ele me ama? Pra que eu tenha certeza de que aquelas palavras ofensivas que não combinavam com sua boca eram mesmo uma pura bobagem ensaiada de quem prefere fingir o ódio a confessar a confusão e mentir pra me fazer esquecer?” 
Minha leitura é interrompida por suas mãos grossas sem que eu te percebesse chegando. O jeito como eu engoli o ar de boca aberta e me desprendi da cadeira num susto rápido; de alguma forma isso te excita mais. E ao sentir teus dedos nas minhas coxas eu penso no garoto que fugiu covardemente. Me entrego a esse pensamento, mas me entrego também à sensação delicada que sua mão compõe com a minha pele. Ela, dormente, se acende com seu carinho sensual que me instiga a te querer mais uma vez. E nos encontramos com os olhos e com os corpos. Estes tão juntos e desejados que meu prazer escapa em lágrimas. Rimos disso tudo sem nos desprendermos. Intensidade compartilhada que explode. 


E agora não sei se vou fugir covardemente como o garoto do livro esquecendo alguma pista que diz que te amo.

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