terça-feira, 4 de setembro de 2012

Fino Cilíndrico

- Essa é a única fumaça com a qual eu me adaptei.
- Oi? 
- A fumaça. Do cigarro. É a única com a qual eu me adaptei. 
Ele já tinha tentado várias. 
- Eu já tentei várias. 
Os dois estudando, as paredes marrons da sala pequena ficaram esbranquiçadas. Ele já um pouco cansado reparou nos desenhos que o cigarro fazia no ar. Ela levantou a cabeça do caderno pra ouvir o que ele dizia. Concentrada estava, mas nem tanto. Talvez porque ler e segurar o espesso fio com cor de céu triste entre dois dedos enquanto o leva à boca desconcentre a leitura. Talvez porque os cálculos estavam entediantes. Ela o olhava afirmativamente com a cabeça sem compreender muito bem, mas querendo participar do assunto enquanto a fumaça entrava nos pulmões. 
- E as outras? 
- As outras fumaças não me apetecem. 
- Elas não soam flutuantes? 
- Não é só isso. A do charuto é muito densa, a da maconha fede demais, a do cachimbo é muito escura e a do incenso muito cheirosa. 
Ele explicou que não, nunca tinha fumado um incenso. Ela então falou que quando criança agarrava às escondidas as bitucas que seu avô jogava no jardim. As guardava num pequeno pote redondo de lata onde antes tinham balas coloridas de morder. Era o seu segredo, ela dizia. 
- Era o meu segredo. Me enfiava atrás da casa, no corredor esquecido que ficava ao lado de fora pra cheirar os pequenos cigarros quase mortos. Comigo eles nunca morriam. 
E falaram tanto até que a sala ficasse ainda mais pequena, até que a cor da parede tomasse cor fumaça e os livros chatos de números em cima de frações ao lado de vírgulas se perdessem no teto de letras que voam.

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