sábado, 5 de maio de 2012

Antes de chegar em casa

Caiu uma gota muito molhada de prédio embolorado na minha camiseta branca. O tecido que fica envolta da parte mais atingida absorve aquela sujeira amarelada. A luz do sinal vermelho ilumina minha cara de pesar olhando praquela sujeira. Uma camiseta tão branca. Que era tão branca. Agora é uma camiseta menos branca. Borrada de gota molhada do prédio embolorado velho. Borrada de gota molhada do prédio embolorado velho onde no sétimo andar mora uma também velha e embolorada senhora que chora a morte do seu gato. Camiseta branca suja de prédio embolorado com lágrima de velha também embolorada. No mesmo andar uma menina descobre o seu primeiro orgasmo. Sozinha. Três andares acima num banheiro fedido um homem embriagado caga o seu arrependimento que escorre pelos canos do prédio embolorado velho. Camiseta suja de prédio embolorado velho, de velha embolorada, de secreção de primeiro orgasmo, de merda de bêbado. O porteiro deixou restos de marmita da noite retrasada na calçada. Com a chuva que fez a comida meio apodrecida escorre no chão e muda seu caminho retilíneo quando encontra meus pés. Apodrecido também está o corpo do velho que sempre morou sozinho. Seu silêncio o fez invisível no prédio embolorado. Minha camiseta manchada de prédio sujo de velha embolorada de meleca do primeiro orgasmo de fedor da bosta do homem e de bicho comendo um silencioso cadáver queria ser invisível também. Mas não é. E eu olho com pesar pra ela.

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