terça-feira, 15 de maio de 2012

Cinema

Viagem de rotina para... estudos. É, foi o que eu assinalei dentre as opções daquela passagem. Parada de 15 minutos num desses grandes postos onde todos os ônibus de todas as linhas descansam rapidamente seus motoristas para um xixi e um pingado. Eu fico no ônibus. Sentada na primeira poltrona do corredor no lado do passageiro, eu apenas espero o recomeço da viagem. Aliás, eu apenas esperava porque de repente vejo algo que me transporta rapidamente pra sensação de estar vendo um filme. Pelo pára-brisa gigante do ônibus eu vi uma mulher. Calça jeans, camiseta branca e casaco fino preto que tentava a esconder do vento. Cabelo preso, mas meio solto, um pouco desarrumado. Ela fumava. De pernas cruzadas apoiada sobre elas com um dos cotovelos, ela fumava. Tinha uma expressão de dor, de tristeza e de sofrimento. Sim, essas três mescladas. Mas por estranho que possa parecer dizer isso agora, ela se mostrava calma e confiante. Suas sobrancelhas quase se juntavam, mas ainda sim ela parecia serena. E ela fumava com muita vontade. Eu a senti saciar aquele desejo desesperado de um trago. Eu vi o prazer da nicotina se misturar ao peso da realidade que a comovia. O intervalo entre cada tragada era rápido, só uma tomada de fôlego para a próxima. Aquela cena, apesar de toda a minha descrição aqui, é inefável. E eu digo cena porque era uma cena e eu pensava: “não é possível, essa mulher tá atuando pra mim!”. Eu preciso carregar uma pequena filmadora comigo. A porta que divide o motorista dos passageiros estava aberta para que a livre circulação reinasse. Ela é feita de vidro grosso da metade pra cima. Mas naquele momento não era uma porta, era uma tela. Como se soubesse que eu me saciava com aquela cena, um menino ajuda a compô-la. Ele se senta em qualquer lugar que me permite vê-lo pelo vidro. Ele está de bermuda larga e chinelo, mas não me lembro mais se de moletom ou camiseta regata. Não me esqueço da sua inquietação. Sentado na ponta do banco largo de cimento que reveste a parede inteira do corredor que dá acesso aos banheiros, ele me pareceu ansioso. Ansioso e preocupado com alguma coisa. Talvez até com um pouco de medo. Mas a ansiedade dele não repercutia pelo corpo todo. Ela estava nos olhos que se movimentavam rapidamente e na cabeça que ora procurava um lado, ora outro. Então eu estava no melhor acento assistindo à cena mais espontânea e bem feita de toda a minha vida. Eu via a mulher diretamente pela cabine do ônibus e o via por um reflexo. Aqueles dois estavam um pouco distantes entre si, mas me pareciam formar uma unidade. A unidade da angústia humana; cada um do seu jeito. Aquela composição durou pouco mais que o tempo do cigarro dela. Mas foi única e irreprodutível. Houve um término que só era um fim de presença física. Ela continuou sentada. Como se fugisse discretamente de alguém o menino se levanta. De repente ele some do vidro, fica só ela, imóvel e acompanhada só por cada fumaça que saia de sua boca. Mas ele reaparece. Passa na frente da mulher do cigarro e some de novo. Ela fica alguns segundos com a bituca na mão, ainda de pernas cruzadas, olhando fixamente para qualquer ponto. Em direção contrária à do menino ela se levanta e sai de onde posso vê-la. A minha tela fica sem meus personagens queridos e intrigantes. Só vejo o banco largo agora, às vezes alguém passa na frente dele. Pra mim o silêncio instigante. Qualquer justificativa abominaria a beleza do que vi.



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