quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Vigília

Tem um barulho insistente zunindo no teto e nas paredes do quarto de algo como uma caixa d´água do prédio. Tem um pequeno bicho voador crocante batendo na figura colorida de um quadro pregado que nem fui eu quem escolheu. A janela fica aberta o dia todo, mas ele não sai. Rodeia as bordas e volta pro quarto. Quando pode ir embora não o faz. E o barulho constante, continuamente perturbador, ainda está. Paro pra pensar nele e isso faz com que minha raiva se eleve acentuadamente. Aí quando acho que o maldito bicho dormiu ou desistiu, escuto seu pequeno corpo se chocando mais uma vez no quadro. Podia morrer logo. E por que eu não o mato? Não tenho problemas e apertar insetos, afogar formigas na louça suja, inseticidar criaturas nojentas. Por que, então, não colecionar mais uma gosma esmagada na parede do quarto? Eu podia simplesmente diminuir minha raiva eliminando um dos sons persistentes, mas eu não faço. Continuo escrevendo essa merda sem soltar um segundo da caneta e continuo pensando que poderia matar o bicho. Penso ainda que durante a noite, quando sinto frio, eu poderia pegar mais uma coberta. Penso que eu poderia ter lido uns dois livros nos últimos tempos e penso que não consigo me concentrar. Penso que penso demais. E pensaria, se fosse evangélica crente no pastor, que Deus estaria me mandando uma puta provação de vida quando, há menos de dois meses pra um intercâmbio, eu conheço o cara mais legal da minha vida. 

A minha cabeça + o motor da caixa d’água, se é que isso existe, + o inseto suicida que não morre a se bater no quadro + o ronco de alguém que também habita esse apartamento + a discussão dos vizinhos + a ambulância + o guardinha buzinando de hora em hora + a claridade excessiva + a cama desconfortável + minha falta de criatividade + minha crise intelectual + o lugar comum + a mesmice + a dor na clavícula esquerda + a queda de cabelo + a falta de vontade + a distância + toda essa reclamação de não sei porque talvez não me deixem dormir essa noite porra.

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