Achei delicado eu sozinha brincando com o fuxico de um marcador de livros parada no ponto esperando o ônibus que não chega olhando pra baixo com um livro de nome ‘Las mujeres más sólas del mundo’. Livro que eu li tão pouco que é como quase não comecei. É que eu gosto tanto daquela capa que fico olhando pra ela e a imagino em movimento. Daria uma cena bem bonita. A mulher de pernas brancas e vestido preto que não vemos o rosto e a vemos de costas correndo numa rua onde só tem ela. Ela foge? Ela busca? Será que ela tá com pressa como eu que tenho 45 minutos pra chegar o ônibus e chegar ao cinema ou será que ela tá assustada? Eu tô fugindo das pessoas porque parece que é hora de não esperar ninguém e fazer tudo sozinha como quase sempre foi. Alguém me acompanha? Não? Tudo bem vou assim mesmo. Só que hoje eu nem pergunto mais. Saio. Ou fico e choro. Ou vou e choro. E nem sempre quando a gente chora tem lágrima. É como se os órgãos chorassem por dentro, só que como – é óbvio – órgãos não choram acontece que eles ficam trocando de lugares entre eles. O estômago vai pra garganta e o rim no pulmão. O pâncreas segue tremendo pra combinar com seu nome, encontra o coitado do apêndice perdido no meio do caminho sem saber o que fazer até que chega à casa da bexiga que sempre tem alguma coisa pra gente tomar. Essa sim chora. E quando eu espirro três vezes atchim atchim atchim aquele menino que tinha certeza que eu não reparei que ele me olha há uns dez minutos me diz saúde e eu obrigada. Quando a senhora de maquiagem eterna e saia de veludo roxa aponta seu dedo maior de unhas vermelhas pra chamar o motorista e pedir pro motorista parar um pouquinho depois do ponto ela desce um pouquinho depois e me olha rindo pra minha cara porque eu jurava que ela não tinha reparado que eu a reparava há uns dez minutos. Compro entradas pra dois filmes porque acho que vou ver todos e acaba que durmo no primeiro. Quando acordo quero ir embora só que pra não atrapalhar quem parece interessado naquela historinha sem graça e clichê de um dramaturgo fodão e velho que trepa com suas atrizes eu espero uns vinte minutos e durmo de novo acordo e o cinema já está vazio. Só quando minha chave caiu é que reparei que ela não tem segredo e aí qualquer um pode entrar na minha casa e ninguém entra. Depois de passar pela cozinha e antes mesmo de chegar ao quarto o sofá da sala me sugou. Rolou uma correria antes seguida de uma luta de fuga que eu não pude vencer. O bom de bater nele é que não dói minha mão. Foi mais ou menos assim o sofá começou a remexer enquanto as almofadas de sentar se tornaram pés e as almofadas de encostar eu não sei o que aconteceu com elas. O sofá era mais alto que eu, o que nem é difícil, e tinha voz grossa e assustadora que me fazia gritar mais ardido e agudo que minha voz cotidiana. Nós corríamos pela casa eu na frente e ele me perseguindo até que escorreguei num tomate e só não caí porque ele me segurou e nesse momento rolou um momento de tranquilidade até que eu tentasse correr uma vez mais. Coitada de mim que fiquei presa no encontro de duas paredes. Aí não teve jeito o sofá me engoliu e voltou ao seu lugar pra que ninguém perceba minha falta. Aqui dentro tá escuro apertado eu tô sozinha. A diferença daí de fora é que fica confortável aqui e o sofá me abraça apesar da sua cara de mal. Não sei quando volto.
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